terça-feira, 2 de dezembro de 2008

NOSSA POSIÇÃO TEÓRICA FRENTE A ESCOLHA PROFISSIONAL

Silvio Bock


Não acreditamos que a escolha profissional possa se basear apenas nos aspectos objetivos envolvidos no processo decisório. As funções, atividades, carreiras ou profissões não são "operadas" de forma abstrata pela pessoa que escolhe. Concordamos com Bohoslavsky, quando ele diz que "a escolha sempre se relaciona com os outros (reais e imaginados). O futuro nunca é pensado abstratamente. Nunca se pensa numa carreira ou numa faculdade despersonificadas. Será sempre essa faculdade ou essa carreira ou esse trabalho, que cristaliza relações interpessoais passadas, presente e futuras". Quando uma pessoa pensa em seu futuro ela nunca o faz de forma despersonificada. Ao escolher uma forma de se envolver no mundo do trabalho, bem como a atividade que vai desenvolver, a pessoa mobiliza imagens que adquiriu durante sua vida. Assim, ao apontar uma dada opção como possibilidade, o indivíduo está pensando que "Quer ser como tal pessoa, real ou imaginada, que tem tais e quais possibilidades ou atributos e que supostamente, os possui em virtude da posição ocupacional que exerce". Bohoslavsky continua, apontando que um adolescente quando diz que "queria ser engenheiro" nunca é somente "queria ser engenheiro", mas "quero ser como suponho que seja Fulano de tal, que é engenheiro e tem "tais poderes", que quisera fossem meus" ".(1)

Na escolha profissional o interessado mobiliza um imagem que foi construída a partir de sua vivência, através de contatos pessoais, de exposição à mídia, de leituras (de biografias, romances, revistas, etc) de ouvir dizer (transposição de experiências de outros). Assim, quando uma pessoa diz que pretende ser tal profissional, ela não está pensando em algo genérico e abstrato, existe um modelo que dá contornos a esta pretensão.

Na orientação profissional tradicional (aquela que se pauta na teoria do traço e fator que enseja os testes vocacionais), esta imagem mobilizada é desconsiderada porque se atribui a ela uma noção de fantasia, um noção de falta de informação, uma idéia de que se encontra descolada da realidade e portanto distorcida e romanceada. Na nossa concepção, esta imagem que a pessoa traz quando pensa na escolha, é o ponto de partida do processo decisório. Não é falso, nem fantasioso, nem distorcido e romanceado: é uma imagem que o indivíduo pôde construir a partir de sua vivência e que se dá dentro de um contexto determinado e específico.

Ao escolher,a pessoa está, na realidade, buscando uma nova identidade. Esta identidade (quem se pretende e não se pretende ser) está referida a modelos de identificação. Esta identificação tem a ver com a imagem que a pessoa constrói na sua trajetória pessoal. Ao se pretender uma dada profissão, o indivíduo tem "representado" uma pessoa concreta ou uma situação ou uma personagem (ou tudo isso junto) que gostaria de ser e de superar também. E, segundo a nossa visão, isto não se constitui em nenhum problema - simplesmente acontece com todas as pessoas que vivem uma questão de escolha do nível que estamos tratando.

O ponto de partida do processo de escolha, como já afirmamos, é a imagem construida a partir da vivência da pessoa, entretanto não deve ser o ponto de chegada. De fato, a escolha começa com as identificações, mas se ela for realizada apenas sobre esta imagem, quase que poderemos afirmar que ela não foi bem feita. Uma escolha adequada, não é aquela que nega a imagem inicial, mas a supera. Isto é, se os motivos que determinam a escolha só ficarem ao nível daquela primeira imagem, seguramente, o indivíduo está transitando no terreno das idealizações. Seus motivos devem ir além desta imagem. O indivíduo deve perceber que a imagem que construiu é parcial e que ele deve ampliá-la, perceber as diversas nuances, conhecer o "outro lado", para construir a "cara" de sua escolha.

O autoconhecimento na perspectiva crítica da Orientação Profissional não é a simples identificação de aptidões, características de personalidade e interesses que seriam comparados com os perfis ocupacionais pré-existentes. O autoconhecimento, no nosso entendimento, é a percepção da dinâmica da escolha profissional - de onde ela parte, para onde ela vai - isto é, o conhecimento de como a pessoa está "operando" ou "lidando" com suas decisões.

Na abordagem tradicional, se o indivíduo não tem uma "habilidade" específica para o desempenho de uma função, ele deveria se afastar dela, porque não estaria "vocacionado". Isto era traduzido pelo conflito entre o traço de interesse e o traço da aptidão. O indivíduo estaria interessado pela atividade mas não teria aptidão para exercê-la. Nesta visão, o componente da aptidão pesaria mais do que o interesse porque se acreditava que a aptidão fosse algo inerente ao indivíduo (nascia com ele) e o interesse se forma no social, portanto seria passível de influência externa.

Na nossa perspectiva, a pessoa deve conhecer-se e se por acaso percebe que algo está "faltando", ele pode e deve buscar a superação. É necessário perceber que os cargos, funcões, e profissões estão sempre em movimento (são dinâmicos). O indivíduo, da mesma forma está em constante transformação.


(1) Bohoslavsky, Rodolfo - Orientação Vocacional: A estratégia clínica, Livraria Martins Fontes Editora Ltda, São Paulo 1977: p. 53. obs. grifos do autor

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